quinta-feira, maio 24, 2007

JOGO DE LÁGRIMAS

NÃO percebia o silêncio. Pelo menos tanto. Tão grande. Tinham sido muitos anos de uma amizade demasiado forte para que as coisas ficassem assim. Tão indefinidas. Tão erradas.
Sabia que as vezes em que tinham cruzado a delicada fronteira amizade haviam deixado sequelas. Afinal, tinham sido demasiadas as noites em que esse sentimento tão puro quanto desinteressado havia sido quebrado em nome de... sim, essa pergunta ficou sempre sem resposta.
Seria isso? Ira? Frustração por não haver algo mais? Ambos sabiam que não era o sexo que os puxava para esse limbo de desencontros que tantas vezes cruzavam juntos. Anos sem se verem eram automaticamente repostos em flashes fáceis de entender. Os ombros haviam servido para chorar como os cabelos para acariciar. Tinham alinhado num jogo lindo e perigoso mas em que hoje não havia heróis ou vencedores. Apenas dois corpos afastados e almas que não ousavam sequer trocar um olhar ou uma palavra. Emocionalmente perdidos, procuravam respostas para as perguntas que não arriscavam colocar. E assim era difícil. Impossível mesmo. Ela tinha-o compreendido primeiro.

As noites passadas, não mais do que os dedos de uma mão, continuavam a dificultar o normal desenrolar dos acontecimentos, cada vez mais previsíveis e conscientes, adultos e acertados, tão chatos quanto correctos. Atormentados, optaram pela decisão desejada pelo mundo do bem. Ou a mais parecida. A mais estúpida talvez.

Nunca mais. Ela mantinha a promessa. Ele não. Isso corroía-o por dentro como o ácido corrói as veias de alguém desesperado por travar um vício incurável. Ela parecia ter conseguido deixar aquele mundo de enganos e desenganos em que ambos tinham vivido sem encontrar solução. Ele não.

Hoje lamentava não ter acarinhado mais um sentimento que era puro aos seus olhos mas não aos dos outros. A verdade escondida teimava em afrontá-lo todos os dias. Tinha sido rico e não tinha percebido. Hoje tinha tudo mas era pobre. Tinha acreditado na palavra traição sem defender o sentimento que o dominava. Ia pagá-lo bem caro. Demasiado caro, pensava. Infelizmente, há sempre um preço a pagar. Resta saber se estás disposto a fazê-lo. Ou não.

5 comentários:

Anónimo disse...

Já sabia, que escrevias bem, aliás muito bem, mas permite-me que te diga e falando portugues rápido: este texto está do Cara...o. Parabens

PInacio disse...

Com a embalagem é só escrever sobre a tal canção, pedida...

Saudações musicais

Anónimo disse...

Retirando daqui algumas passagens, até que dá uma cançao,

Anónimo disse...

Retirando daqui o que de melhor há nas entrelinhas ficamos com uma enorme lição de vida, escrita na terceira pessoa que um qualquer dia a traição nos pode bater à porta sem avizar.
Desta àgua não beberei, mas não é bem assim com um mundo cheio de oportunidades para o fazer que vivem ao lado do supermercado, com a particularidade de estararem abertos 24 horas por dia, 365 dias por ano, dez anos por década e cem por milénio.
Parabéns pela prosa.

Anónimo disse...

Espantosas. As coincidências.
Lindo. O texto.


Fx