segunda-feira, dezembro 08, 2008

A VIDA DELA DAVA UM FILME

Ela sonhava voltar a tê-lo. Tinha-lhe fugido demasiadas vezes. Umas vezes para amigas, outras para inimigas e poucas para a cama dela, onde gostava de o mimar. Conversava com ele com o mesmo prazer que lhe lambia o sexo. Era algo que gostava mesmo de fazer. Não ao princípio. Sentia-se desajeitada e tinha medo de não lhe dar prazer. Falo de lhe lamber o sexo, claro, porque a conversa era mais ouvir do que falar. Gostava mesmo de o ouvir. As aventuras, as dúvidas e os receios. As novas tendências, que tanto perseguia e que mais tempo o roubavam do seu leito. Para onde ela o puxava sempre que podia. Antes.
A separação tinha sido de mútuo acordo. Afinal, há momentos em que é preciso ficar só. Não por causa das infidelidades, crueldades, esquecimentos ou loucuras. Apenas porque há momentos em que tem de ser mesmo assim. Em que a vida obriga a decisões. Que são difíceis, dizem, mas apenas para quem as toma, não para os que estão de fora e gostam de opinar sobre isto e aquilo e raramente sabem o que dizem.
A verdade é que sentia saudades dele. Nunca soube explicar porquê. Ou melhor, o porquê de gostar tanto daquele abraço forte, do cheiro do final do dia, das piadas parvas mas que a faziam rir. Dos ciúmes que sentia por saber que ele não era só dela. Nem hoje nem nunca, pensava. Por vezes ele dizia que sim, trazendo-lhe uma esperança que se desvanecia com o passar dos anos e os nomes que ela sabia lhe haviam passado pelo corpo. Havia uma coisa boa, ele não o escondia. E outra má, ele nunca o escondia.
Ela decidiu fazer o mesmo. Afinal, se ele podia porque não ela. E fez. Mais do que uma vez. E outra. E com aquele também. Infelizmente, no final de tudo aquilo sentia vontade de regressar ao velho conhecido, que de velho tinha pouco e que ela sentia necessidade de voltar a comer. Como comera no passado e tão bem lhe soubera. Difícil de encontrar era a forma de lá chegar. De reequacionar tudo o que tinha mandado às ortigas, os anos que perdera e que agora desejava voltar a agarrar. Estavam afastados há demasiado tempo. E havia a tal pedra no sapato que ele, curiosamente, ultrapassara melhor do que ela. E isso irritava-a, para além de a intrigar e de a fazer sentir mal. Como podia ser assim? Seria ele insensível ou apenas um cabrão? Podia até ser, mas era um cabrão que lhe dava tesão. E isso ela nunca soube mudar.

8 comentários:

Anónimo disse...

Começar a rir de piadas parvas deveria ser uma sinal de alerta.

Eskimo disse...

Porquê?

mariano disse...

Bom texto Eskimó, bom texto...
Portas abertas e borboletas no escafandro, muitas há po aí.
Estamos muito prosaicos.
Venha de lá esses gosto de mexer o dedo para escrever umas coisas.
Um abraço.

Anónimo disse...

Obrigado Mariano. E beijos para o teu filhote.

Anónimo disse...

Se as piadas são parvas porque rir delas?

Anónimo disse...

É preciso sentido de humor para rir de piadas parvas. Ou ser parvo. Eu gosto bastante de piadas parvas. Um amigo de muitos anos é especialista a contá-las. Ainda hoje me vem à memória quando ouço uma piada assim.

Anónimo disse...

A quimica e a energia produzidas pela interacção de certos corpos tem destas coisas.Entre amigos a energia é quase sempre renovavel. Ad-eternum.Já com os outros quando a energia se esgota não há piada que resista.

Eskimo disse...

Depende do que pensas, anónimo. Mas olha que isso também acontece com amigos. Há aqueles que estás anos sem ver e é como se estivessem sempre ali. Outros há com quem privas mais e um dia pensas "o que estou eu a fazer aqui?". E sim, claro que isso também acontece nas relações.
Nas relações há muita coisa que não se explica. Sente-se. Sejam elas de amizade, amor, tesão ou familiaridade.
Eu sou muitas vezes acusado de ser demasiado desligado da minha família e a verdade é que os amo como poucos. Não sinto, no entanto, a necessidade de o dizer todos os dias.
Curiosamente, creio que não era de nada disto que falavas.