Saiu de casa. Sentia-se traído. Tinha dedicado mais de metade da sua vida aquela quinta. Ali tinham nascido os miúdos. Lembrava-se ainda com exactidão, como se fosse ontem, do local onde o último sopro de vida percorrera o corpo de Madalena. Sim, ali havia também perdido a mulher. O princípio do fim. Nesses dias tinha compreendido que nunca poderia aspirar a uma vida melhor. Não. Não sem ela.
Na região diziam que ele tinha azar. Não era só. Acreditava que era algo pior. Uma sina de que não conseguia livrar-se. Tinha um defeito qualquer. Atraía o azar e tudo o que era ruim. Hoje, sem filhos, sem mulher, sem casa para viver, sobrava-lhe apenas aquela arma na mão. E não tencionava largá-la com vida. A factura tinha de ser paga. Por ele e mais ninguém.
Incrível como só tinha chegado a essa conclusão quando o banco lhe retirou a quinta. Não quando Madalena sucumbiu perante o excesso de trabalho a que tudo aquilo obrigava. Não quando os copos a mais o fizeram perder os miúdos. O acidente que toda a gente comentava quando passava e de que ele sabia ser o único responsável. Até com essa vergonha aprendera a viver. Mas agora não. Perder a quinta que tinha passado de pai para filho ao longo de tantas gerações era mais do que podia suportar. Queria tentar acreditar que não se trava de materialismo. De apego aos cacos que eram seus. Que era o amor que sentia por um local. O mesmo amor que não nunca tinha conseguido demonstrar à companheira. Ou ao sangue do seu sangue. Mas já não sabia. Já não sabia nada.
Manuel tinha nojo do que sentia. Vergonha de só agora pensar em acabar com vida. Se é que se podia chamar vida ao que fazia nos dias de hoje. Asco ao respeito que a sociedade local ainda lhe tinha. Ou que pelo menos manifestava quando passava. Seria possível não perceberem como era fraco? Como tinha traído tudo aquilo que devia ter defendido com a própria vida. Em vez disso, deixara cair Madalena, praticamente assassinara os filhos e agora desrespeitava o suor de todos os que tinham lutado por aquele local. Não, não ia perder mais nada. E assim perdeu tudo. Ali. No mesmo sítio onde a perdera.
sexta-feira, dezembro 12, 2008
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4 comentários:
Tá deprê!!!
Que homem mais azarento.
Esta sua faceta dramática é surpreendente.
Ass: M.Rapax
Porquê?
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