segunda-feira, dezembro 10, 2007

O DIA EM QUE OS XUTOS...


ACABO de chegar do Campo Pequeno onde vi com toda a família os Xutos. Pensava que eles não mais me conseguiriam surpreender depois dos concertos grandiosos no Pavilhão Atlântico. Erro. Conseguiram. Vi ontem o melhor espectáculo de Xutos que vi em toda a minha vida. E se eles já foram muitos. Mas ontem foi especial. A superação chegou à equipa do X. Dificilmente há espectáculos perfeitos. Este está lá muito perto. Tudo brilhante. A luz. O som. A encenação. Estou abismado. Deixo-vos a crítica do BLITZ pois sinto-me incapaz de descrever-vos o que senti. Digo apenas que adorei. XUTOS! XUTOS! XUTOS!


Entre malabarismos e acrobacias, a festa foi dos Xutos. Quem acha que as romarias são coisas de aldeia do interior não testemunhou, certamente, o ambiente que ontem se vivia em torno do Campo Pequeno, onde os Xutos & Pontapés apresentaram o seu grandioso espectáculo de comemoração de 20 anos da edição de Circo de Feras .
Milhares de ex-adolescentes – a lotação estava esgotada e havia gente desesperada a tentar arranjar um precioso bilhete… – exibiam t-shirts pretas com enormes "X" em vermelho, lenços ao pescoço e outras marcas de devoção aos santos Zé Pedro, Tim, Kalu, João Cabeleira e Gui. Pode até pensar-se no já habitual gesto de braço no ar com um dispositivo que brilha no escuro (vulgo telemóvel!) como uma versão moderna da vela que se usa nas tais romarias de aldeia.

O concerto, claro, é como o passar do andor e suscita gestos de devoção emocionada. Só que bem mais rock'n'roll. E justiça seja feita aos Xutos: o público, apesar de concentrar muita gente com idades entre os 30 e 40, também incluia muitos representantes da geração "Morangos" e até miúdos bem mais novos, a quem os pais tentam já passar a chama da devoção. Só não iam vestidos de anjinhos, como nas procissões: até porque nas bancas de venda de merchandising já se dá atenção a essa “faixa” de mercado e as t-shirts estão igualmente disponíveis em números pequenos.
Os Xutos não podiam ter escolhido melhor local para, simbolicamente, assinalarem a passagem de duas décadas sobre a edição original do disco de “Contentores”. Afinal de contas, a arena de touradas (esta, em Lisboa, recentemente reconvertida para receber outro tipo de espectáculos bem mais civilizados) é, de certa forma, herdeira directa do circo de feras que no antigo império romano servia para manter o povo entretido. E essa era certamente a ideia na cabeça de Tim quando, pela primeira vez, se dirigiu ao público e disse “boa noite Coliseu!”.

Por esta altura, os milhares de presentes já estavam ao rubro: pela frente tinham um elaboradíssimo e ultra-profissional espectáculo que foi calculado ao mais ínfimo pormenor para arrancar “ahs” e mexer com as emoções de todos.
O arranque do concerto foi feito com uma combinação de luz, imagens e o ribombar dos tambores de percussionistas dos Tocá Rufar de Rui Júnior (e, até aí, as comparações às romarias fazem sentido…). Os rapazes e raparigas dos tambores vestiam figurinos inspirados em Mad Max , que ditariam o tom futurista de todo o espectáculo. Tim, Zé Pedro, Kalu, Gui e Cabeleira entraram em palco com muito cabedal e capas dignas do Conde Drácula e interpretaram, logo a abrir e sem voz, “Circo de Feras”, com os percussionistas a acrescentarem drama, peso e espectáculo ao tema.

Com “Sai P’ra Rua” a novidade foi a entrada em palco de Rita Nunes que, com o seu saxofone barítono, passou a dialogar com Gui, combinação que de resto foi usada em diversos outros momentos ao longo da noite. “Não Sou o Único”, “Barcos Gregos”, “À Minha Maneira”, “Vida Malvada”, “A Minha Aventura Homossexual com o General Custer” e “Sou Bom” levaram o público até ao intervalo e serviram igualmente de banda-sonora a alguns números de novo circo que mereceram também aplausos do público.
A ideia de cruzar circo e rock'n'roll já não é nova – basta pensar em “The Rolling Stones Rock and Roll Circus” – mas pode dizer-se que a encenação dos números que foram exibidos no Campo Pequeno ia perfeitamente de encontro à música que os Xutos estavam a executar e que essa interacção, juntamente com o enorme jogo de luz e imagem – havia mesmo vários robots de luz montados em gruas que contribuíam para sublinhar o ambiente futurista do concerto –, contribuiu para um enorme concerto de rock'n'roll, todo ele energia, partilha e dedicação. E é inteligente assinalar 20 anos de passado com um espectáculo que põe os olhos no futuro.

Depois do intervalo retemperador, o regresso ao palco fez-se com um grupo de gospel que entoou “Pêndulo”. O coro manteve-se em palco para “Estupidez” e, em “Lei Animal”, regressaram os percussionistas, desta vez com dois enormes bombos montados à maneira japonesa a acrescentarem força à música do grupo. O momento seguinte foi mais solene: Cabeleira ficou sozinho em palco e arrancou gemidos à sua guitarra cor de fogo, enquanto uma artista de circo concentrava olhares no seu corpo perfeito suspenso por cordas.
Se a ideia era distrair o público, enquanto na frente de palco se montava o set-up para o momento acústico do concerto, então resultou plenamente. Zé Pedro e Gui entoaram de seguida as notas de “Esta Cidade” e depois chegou Tim, criando-se assim as condições para todos se sentarem na boca de palco e interpretarem “N’América” e “O Homem do Leme”. O fogo sublinhou o momento íntimo.
Depois desembarcaram os “Contentores”, tema que foi ilustrado com um divertido número na cama elástica. “Ai Se Ele Cai” e um regresso apoteótico a “Circo de Feras” – com Rita Nunes no saxofone, o coro de gospel e os percussionistas também em palco – marcaram a saída para o encore. Zé Pedro sublinhou então a grandiosidade do evento, ao agradecer às várias centenas de pessoas envolvidas nesta enorme produção, cuja ideia original partiu de Marta Ferreira, manager da banda, falecida em Junho passado, e Luís Montez. “Para Ti Maria” e “A Minha Casinha” fecharam as contas, em grande, com um público absolutamente rendido.

À saída havia quem confessasse estar já com ataques de ansiedade para ver o DVD que vai resultar desta passagem por esse moderno Coliseu que é o Campo Pequeno. A matéria-prima, em termos plásticos, é de enorme qualidade: decerto que as imagens vão confirmar a ideia de que esta foi uma romaria que valeu a pena. Não foi consagração nem coisa nenhuma: os Xutos, como algumas procissões, já cá andam há muitos anos e para o ano cá estarão de novo. Já parecem imortais. E talvez isso ajude a explicar as capas com que surgiram em palco. Parabéns!

Texto: Rui Miguel Abreu - BLITZ


Alinhamento:

Intro
Sai P'rá Rua
Não Sou o Único
Barcos Gregos
Desemprego
À Minha Maneira
Vida Malvada
A Minha Aventura Homossexual com o General Custer
Sou Bom

Intervalo

Pêndulo
Estupidez
Lei Animal
Esta Cidade
N'América
Homem do Leme
Desejo
Contentores
Ai Se Ele cai
Circo de Feras

Encore:

Para Ti Maria
A Minha Casinha

Este ano vi muitos concertos. Repito-me: este deixou-me de boca aberta. Ainda mais surpreendente do que a grandiosidade da despedida dos Heroes em Valência. Sem dúvida mais brilhante. Inesquecível. Obrigado, Marta. X

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