domingo, dezembro 03, 2006

QUANDO A FELICIDADE CHEGA

A noite corria. Chuvosa. Fria. Inóspita até para quem pensava em amor. Quanto mais para ele. Um homem que perdera a mulher e o filho. Um homem a quem a vida já nada dizia. Um homem que apenas respirava entre o emprego e casa. Respirava? Pelo menos assim parecia, se estava vivo…

Desde o acidente que perdera o contacto com os amigos. A família, então, nem vê-la. Não suportava enfrentar quem lhe lembrasse o amor. O amor que tivera e que perdera. O amor que tanto o fizera ser feliz e que se esvaíra por entre os dedos. Era nessas alturas que se refugiava no álcool, nas pastilhas, na coca, no sexo pago com quem aparecesse. Em qualquer coisa que o fizesse esquecer.

Os amigos tentavam “recuperá-lo para a vida”, diziam eles. Não sentia isso. A aproximação feria tanto como espinhos cravados na pele. Ninguém sabia o que ele sentia. E ele não queria partilhar a dor com ninguém. Era a mulher dele. Era o filho dele. Queriam outros agora dizer-lhe como viver a vida? Não, não tinham esse direito. Talvez esse dever. Mas ele não queria saber.

Às vezes, por momentos tão curtos quanto espaçados, conseguia esquecer. E aí, em dias que a anestesia funcionava, voltava a acreditar que podia ser feliz. Que podia voltar a ser senhor do seu mundo. Que a ausência deles podia ser esquecida e substituída por outras almas. Mas não era verdade. Não passava um dia que não pensasse neles. Não passava um dia em que não acreditasse que podia ter evitado tudo. Não passava um dia em que não desejasse morrer.

Sim, a vida continuava. Mas a maior parte das vezes apetecia-lhe perguntar para quê? Mas não agora. Tinha de ir trabalhar. O melhor momento dos seus dias. O problema era quando chegasse. Quando chegasse a casa e não os ouvisse. Era pior do que morrer. Não estava lá aquele beijo quente que ela lhe sabia dar. O riso do puto. Que saltava mal o via e lhe lembrava que tinha uma semente no mundo. Não. Eles não estavam lá. Pensou. Pensou bem. Pensou melhor. Não, afinal hoje não ia trabalhar. Ia ter com eles. Era dia de morrer. Finalmente feliz
.

3 comentários:

Fénix disse...

Este teu texto fez-me lembrar um poema que há pouco tempo transcrevi para esta mesma caixa de comentários:

AL CABO

Al cabo,son muy pocas las palabras
que de verdad nos duelen,
y muy pocas las que consiguen alegrar el alma.
Y son también muy pocas las personas que muevem nuestro corazón,
y menos aún las que lo muevem mucho tiempo.
Al cabo, son poquíssimas las cosas
que de verdad importan en la vida:
poder querer a alguien, que nos quieran
y no morir después que nuestros hijos.
(Amalia Bautista)

Porque a felicidade pode chegar de muitas maneiras...

Bj

Kermit disse...

Para mim também seria dia de morrer. Se na mesma situação estivesse.

Hoje, porém, apetece-me só morrer um bocado. Porque estou muito triste.

Jagunço disse...

E gajas? Há gajas ou não há gajas???